O conceito de classicismo foi pela primeira vez aplicado à literatura por Aulo Gélio, escritor latino do II século D.C., no seu livro Noctes Atticae, ao cunhar as expressões scriptor classicus e scriptor proletarius, para indicar a diferença entre a literatura escrita para sociedades educadas e a destinada às massas.
Havia aí um implicação social, já que se chamava clássico o escritor aristocrático. Este sentido perdeu-se, mas o termo permaneceu e sua significação varia conforme as épocas. Assim, apontam-se os seguintes significados:
1. Pedagógico, referente aos escritores de primeira classe, ou de excelentes qualidades literárias, os modelares ou melhores, com valor permanente e a ser imitado. Por isso, esses grandes autores devem ser usados em classe, para uso e treino dos alunos em sua formação intelectual. Constituem as humanidades, e o humanismo do Renascimento teve como base o estudo dos clássicos da Antiguidade Greco-Romana. Este sentido passou ao uso das línguas modernas.
2. Clássico significando greco-romano, designação originada no Renascimento, quando somente as obras literárias da Grécia e Roma eram consideradas de primeira classe. Daí a tradição de encarar o conjunto das literaturas grega e romana das épocas de Péricles e Augusto como as que reuniam os requisitos da perfeição ou excelência modelar. Classicismo passou a ser todo movimento de volta às formas e ideais implícitos no credo clássico: perfeição formal, significação universal e humana.
3. Classicismo como característica de certas épocas artísticas, em que a produção é digna dos antigos pela perfeição superior. Originalmente, este conceito incluía as obras que resultavam da imitação da Antiguidade Clássica.
Assim houve verdadeiras épocas clássicas, inspiradas em padrões absolutos e permanentes de perfeição literária, que somente raros períodos atingiram: o século XVII de Luís XIV, na França, o único verdadeiro e realizado classicismo moderno, a que se devem juntar o classicismo italiano, renascentista, dos séculos XV e XVI, e épocas de neoclassicismo nas diversas literaturas ocidentais, em que o classicismo é substituído pelo “espírito clássico”. Aqui há que incluir o grupo dos autores de todas épocas que imitam os clássicos, e são por isso denominados neoclássicos. Em suma, o classicismo seria um conceito histórico, referente aos princípios estéticos oriundos e imitados das literaturas antigas.
4. Derivado do anterior, há o sentido segundo o qual não apenas as obras que imitavam os antigos, mas quaisquer que, pela excelência, houvessem constituído uma época superior, mesmo que contrariamente ao espírito e forma das literaturas antigas. A imitação dos greco-romanos deixaria de ser a regra, em proveito da valorização do passado nacional. A nacionalização da literatura, sua vinculação às raízes nacionais, a utilização dos idiomas vulgares, foram critérios que se utilizaram para a classificação de épocas clássicas sem dependência da Antiguidade. A idéia mestra, nesses casos, seria a da produção de uma literatura que fosse digna da grega, mas que obedecesse à própria experiência cultural, tanto quanto a literatura grega o foi em relação ao espírito helênico.
Classicismo como conjunto de caracteres estéticos, definindo o estilo cultural, artístico e literário de um período, por oposição ao barroco, ao romântico, etc. Para que o conceito ganhe conteúdo e validade crítica, esse é o sentido que deveria prevalecer na terminologia técnica. Como estilo individual e estilo de época, denota ele um conjunto de qualidades e elementos formais e ideológicos peculiares: perfeição formal, clareza absoluta, um sistema de verdades estabelecidas e universais, aceitas sem discrepância e sem consideração ao circunstancial, ao relativo, ao pessoal; razão, absolutismo, nacionalismo; predomínio da forma unitária, contida, equilibrada, simples e serena; elevação, decoro do conteúdo.
A idéia central do conceito de clássico em literatura – a superioridade dos grandes artistas do passado e a criação literária pela sua imitação reverente – já era vigente na época Alexandrina. Os romanos, por sua vez, tiveram a mesma atitude em relação aos gregos, tanto na literatura criadora – Virgílio, Horácio, Cícero, Tácito, Plauto, Terêncio, Catulo, Ovídio – quanto em teoria literária e crítica – Horácio, Cícero, Quintiliano. Estes últimos codificaram o credo clássico nas “artes poéticas” e tratados de preceptística, revalorizados nos séculos XVI e XVII como basilares do moderno neoclassicismo. Na Idade Média, a despeito da voga das literaturas romances, a presença clássica se fez notar, embora menos marcante.
No Renascimento e depois que a idéia clássica penetrou na literatura de maneira absoluta, sobretudo através da literatura italiana, tornando-se os clássicos antigos os modelos de toda a criação artística, largamente imitados, glosados, pastichados, traduzidos, foi geral o seu domínio nos temas, nos cânones estilísticos – como no modelo ciceroniano – nas regras poéticas, retóricas, estruturais. O ideal era criar uma literatura clássica em idiomas vernáculos ou vulgares. E se não houve, no Renascimento propriamente dito, grandes obras literárias do mesmo porte que as das artes plásticas, todavia se lançaram então os fundamentos do classicismo moderno, sobretudo representado por Erasmo e pela universal aceitação da autoridade de Aristóteles e Horácio em teoria literária e crítica. No século XVII, essa preparação do terreno daria os seus melhores frutos na França de Luís XIV, a Idade do Ouro da literatura francesa. O problema do classicismo, em França, foi aberto nesse século pela chamada Querela dos Antigos e Modernos, na qual se opunham adeptos da imitação da literatura clássica e os advogados do progresso das novas idéias, da modernidade de inspiração e primazia das culturas nacionais. A reaçãoclassicizante começou com o grupo da Plêiade, chefiado por Ronsard, que se empenhou em afastar a tradição poética medieval, à base de estudo e imitação da poética clássica e da utilização do soneto, da ode e do verso alexandrino. Suas teorias foram expostas por Du Bellay, na Défense et Ilustration de la Langue Française (“Defesa e Ilustração da Língua Francesa”, 1549) e pelo mesmo Ronsard no prefácio às Odes (1550) e na L’Art Poétique (1565). Em seguida Malherbe (1555-1628) conduziu a reforma classicizante, batendo-se pela purificação da linguagem e pela submissão da criação às regras da arte, que Boileau codificou na Art Poétique (1674). Assim se estabeleceram em França a literatura, o espírito, as doutrinas, as convenções clássicas, enfim o Classicismo, cuja fase áurea está entre 1660 e 1690, com as obras principais de Corneille, Racine, Molière, La Fontaine, Bossuet, La Rochefoucauld.
O conceito clássico dominante era que a beleza absoluta em literatura já fora alcançada pelos antigos, donde serem estes de compulsória imitação. Para atingir a perfeição dos antigos, é mister a observância das regras do decoro, da razão e dos gêneros. Essa linha clássica foi sempre combatida pelos modernos, à frente dos quais Charles Perrault, que reivindicava a superioridade do espírito moderno. E, ao lado dela, permaneceu, no século XVII, outra corrente artística, a do barroquismo. Por outro lado, o dogmatismo estético do classicismo foi posto em xeque, no começo do século XVIII, pelas novas idéias filosóficas que iam constituir as ideologias setecentistas, com o primado do cartesianismo, da dúvida filosófica, do cepticismo religioso, do individualismo e sentimentalismo, de Voltaire, Rousseau, Condillac, etc., as quais desaguariam no romantismo, com os novos dogmas da relatividade do gosto, da inviabilidade das convenções, da liberdade de inspiração, pontos de vista “modernos” assim vitoriosos.
Enquanto na França o Classicismo refletiu uma sociedade aristocrática, na Inglaterra traduziu um mentalidade de classe média. Também lá se travou a luta entre antigos e modernos na Battle of the Books (“Batalha dos Livros”), a que seguiu a “Era Augusta”, assim chamada pelo prestígio da literatura latina da era de Augusto, e que se estende de 1680 (ou 1660) a 1750 (ou 1780), com nomes como Dryden, Swift, Richardson e, acima de todos, Pope e Samuel Johnson. A Pope, tradutor de Homero, se deve a codificação da teoria clássica na Inglaterra, no Essay on Criticism (“Ensaio sobre a Crítica”, 1711).
Na Alemanha, o Classicismo, derivado mais da Grécia, cria um contraste entre a realidade e o ideal, corporificado num tipo apolíneo diferente da natureza real e histórica, tornando-se por isso, ao ver de muitos, mais romântico do que clássico esse período (1755-1805).
Lessing, Herder, Voss, Wolf, Goethe, Schiller, Kant, tornaram esse classicismo romantico numa influência permanente.
Por toda parte, movimentos neoclássicos surgiram no século XVIII, por medíocre imitação, sobretudo na França, e também na Espanha e na Itália, movimentos sem significação maior.
Na literatura espanhola, a forte tradição medieval e popular foi um constante obstáculo à revivescência dos ideais clássicos. Na portuguesa, o uso do conceito de classicismo pelos críticos e historiadores literários refere-se à produção literária dos séculos XVI, XVII eXVIII, considerada clássica por ser de imitação dos clássicos antigos, e por ser esse o período de maior elevação e perfeição literárias. É o sentido pedagógico e normativo de clássico, sentido que se quis transferir para a periodização literária brasileira. Todavia, o estudo moderno vem mostrando que esse período compreende a mistura ou a sucessão de elementos renascentistas, barrocos, neoclássicos e arcádicos. Deve-se, portanto, separar o classicismo renascentista ou quinhentista de um Camões, do barroquismo seiscentista de Vieira e Gregório de Matos, do neoclassicismo e do arcadismo setecentista de Filinto Elísio, Bocage e Gonzaga.
Em suma, o verdadeiro classicismo nas literaturas modernas consiste na adaptação dos princípios clássicos antigos a épocas diferentes.