No Japão, o nascimento de uma escola nacional de pintura não se produziu até o século X. durante os três séculos anteriores, o país, que no inicio de nossa era se encontrava enormemente atrasado em relação com seus vizinhos do continente, havia se limitado a assumir modelos que lhe chegavam da China ou Coréia, fazendo-o de uma forma tão fiel que as grandes realizações artísticas dos períodos de Asuka (538 – 645) e de Nara (645 – 794) bem podem ser considerados como simples continuação das artes chinesas da época T’ang. O elemento essencial para a incorporação das ilhas ao ritmo comum das culturas orientais foi a introdução do budismo a meados do século VI. Acolhido em princípio de modo diverso, foi elevado à condição de religião oficial do país pelo príncipe Shotoku Taishi que governou o país durante o reinado da imperatriz Suiko (593 – 629) originando um processo acelerado de sionização política, cultural e religiosa. Nos séculos VII ao IX, o Japão baseou sua administração sobre o modelo chinês, adotou a caligrafia e a literatura chinesa e inclusive construiu suas capitais – Nara e, em 794, Heiankyo – sobre o mapa da capital chinesa, Ch’ang-gan. Com o budismo – que de qualquer modo não chegou a deslocar o sinto, culto ancestral nipônico, mas que simplesmente se sobrepôs a ele – chegaram monges, pintores e artesãos que transladariam às ilhas os esquemas iconográficos e estilísticos utilizados no continente.
As mais antigas amostras pictóricas conhecidas, o relicário conservado no Horyu-ji de Nara e as pinturas murais do Kondo do mesmo templo, devidas provavelmente a pintores próximos, constituem magníficos exemplos da pintura oficial chinesa do período das Seis Dinastias e da época T’ang respectivamente.
Quando no ano 794, o imperador Kammu decidiu construir uma nova capital, Heian-kyo (a atual Kyoto), passando do poder político e cultural dos monges à aristocracia cortesã, a influencia chinesa seguiu sendo onímoda durante um tempo; o pintor mais importante do século IX, Kose-Kanaoka (850 – 890) aparece influenciado por Wu Tão-tse e utiliza os estilos de paisagismo chinês, sendo suas obras mais importantes suas representações de Kannon, o bodhisattva misericordioso.
As mudanças não demorariam no entanto em serem notadas e terem uma forte influência sobre o desenvolvimento da atividade pictórica. Por uma parte, ao longo do século IX, se introduziram, procedentes do mesmo modo da China, nove seitas de caráter esotérico e ritual complexo como a Tendai e a Shingon, o que supôs uma ampliação da iconografia (os Shingon, por exemplo, foram muito afeiçoados aos retratos de seus patriarcas) e uma certa mudança de orientação desde o budismo apaziguador dos séculos precedentes a outro de cariz ameaçador com as representações do temível Fudo (“o que castiga”) e de Dainichi. Por outra parte, desde que o poder passou à aristocracia, se tornou visível na cultura japonesa um novo afã de luxo e um talante mais profano e frívolo, tudo isso dentro de um clima de grande refinamento e sensibilidade.
A decadência política ao longo do século da China dos T’ang teria finalmente conseqüências decisivas pois os contatos entre ambos países foram se tornando cada vez mais escassos até que, em 894, foram proibidos oficialmente. Nesses momentos, o clã dos Fujiwara, que governaria o Japão durante dois séculos (884 – 1160), já havia se tornado o poder efetivo e, sob seu governo, Japão, livre por um período da abrumadora influência chinesa, começou a transitar por caminhos próprios. No campo pictórico, esta evolução geral à japonização se refletiu no nascimento de uma nova escola, o yamato-e ou pintura japonesa contraposta rapidamente pelos eruditos ao kara-e ou pintura chinesa e que se diferenciava desta última pela orientação a temas extraídos da literatura e da história, por um novo sentido da paisagem (que levava os artistas que o cultivaram a se inspirarem mais diretamente nas características físicas de seu próprio país, esquecendo-se um pouco do afã construtivo e das altas montanhas rochosas usuais no paisagismo T’ang), pelo papel concedido ao homem (enquanto, na China, o homem desaparecia praticamente na paisagem convertendo-se em uma peça a mais – e não a mais importante – da maquinaria cósmica, no Japão os artistas terão uma tendência a tratarem a paisagem como cenário da atividade humana e inclusive a reduzí-lo ao papel de tela de fundo) e por umas características técnicas mais de acordo com a sensibilidade japonesa que o monumentalismo e a procura do relevo corpóreo, próprios da pintura búdica: tendencia ao decorativismo e à plenitude, elegância linear, desdobramento do narrativismo...
Embora o yamato-e começou a se desenvolver no século X, exercendo, o pintor Kasuga-no-Motomitsu, ao parecer um papel fundamental, quase não há testemunhos significativos de sua evolução durante esse século e o século seguinte. Parece ter sido utilizado, no princípio, para a decoração das casas, em biombos, portas e inclusive murais e daí passaria a ser usado na ilustração de obras literárias e de fatos históricos. Um dos exemplos mais antigos e talvez o mais relevante são as ilustrações para o Genji Monogatari ou História de Genji (século XII), uma novela escrita por Murasaki Shikibu (que foi dama da corte no início do século XI) onde se relatam as aventuras do príncipe Genji até sua retirada do mundo, constituindo um documento inapreciável para conhecer a sensibilidade e o estilo de vida da aristocracia cortesã durante o período dos Fujiwara. As cenas de um rolo horizontal (emakimono) intercaladas entre o texto, são contempladas de cima para baixo e em diagonal desde o ângulo superior direito ao inferior esquerdo (lembrem que estes rolos se desdobram da direita à esquerda) e o pintor suprimindo os tetos para permitir que nos fixemos no interior. As cores fortes e opacas quase ocultam os contornos e o artista está mais interessado na obtenção de um conjunto decorativo e uma atmosfera poética do que no movimento ou na individualização de seus personagens, cujas características aparecem sumariamente expressadas.
Outros dois rolos, realizados no final do século XII no mosteiro de Kozanjii em Kyoto e que foram atribuídos sem grandes probabilidades de acerto a Toba-Sojo, refletem outro aspecto do yamato-e bastante diferente. Neles, não encontramos a ilustração de uma história, mas sem uma série de cenas burlescas sobre o culto búdico choju-jiga, desenhadas com tinta.
Durante esse período a pintura búdica (na qual, por outro lado, vê a infiltração das influências do yamato-e) seguiu tendo um enorme desenvolvimento. No século X, o monge Genshin difundiu o culto de Amida Buda, que prometia o paraíso da Terra Pura a todos que lhe invocassem na hora da morte. O amidismo, que teria um novo impulso durante o século XII com a introdução da seita jodo ou “escola da Terra Pura”, se converteu num culto altamente popular (os Fujiwara estavam entre seus adeptos) e como conseqüência se multiplicaram as representações deste Buda compassivo e o tema do Raigozu ou representação de Amida descendo para receber a alma do crente para conduzi-la ao paraíso, adquiriu um grande predicamento. Nestas representações, que alcançariam ainda maior extensão durante o período de Kamakura, Amida aparece umas vezes sozinho, outras acompanhado de Kannon e Seihi e outras com um cortejo de bodhisattvas sobre as nuvens. Eshin (942 – 1017), um dos grandes pintores da época de Heian, se destacaria precisamente por suas representações do Raigozu.
Por outra parte, a influência do yamato-e sobre a pintura religiosa se torna particularmente presente nas paisagens que aparecem na zona inferior destas descidas de Amida à terra e principalmente nos rolos que ilustravam as histórias das fundações de templos, das quais o mais significativo, o Shigisan-engi, se remonta ao final do século XII. Devemos citar ainda, no âmbito da pintura búdica, tanto deste período como do seguinte, as abundantes ilustrações de sutras, os kakemonos que se penduravam nos templos e as também numerosas representações de Fudo castigando os ímpios no inferno, um tema que ocasionou a exacerbação do naturalismo e das tendências para a caricaturização que já vimos se assomar no yamato-e.
No final do século XII, a progressiva decomposição do regime aristocrático desembocou na instauração de um novo regime militar e de características feudais que perduraria até o século XIX. De fato, na queda dos Fujiwara, em 1160, os Taira obtiveram o poder, sobrevindo um período de lutas que foi finalizado com a vitória de Yoritomo-no-Minamoto em 1185. ele se autodenominou shogun (general chefe), transferiu a capital a Kamakura e começou a governar em nome do imperador, inaugurando uma nova época quando o poder passou das mãos da aristocracia cortesã a outra aristocracia guerreira e de origem provinciana. No plano pictórico, o período Kamakura (1185 – 1333; o nome foi tirado da nova capital do bakufu, ou governo militar) não foi excessivamente inovador. Já vimos como a pintura búdica segue em aspectos gerais a da época anterior. De qualquer modo, observamos agora uma revitalização do realismo e do narrativismo, sendo também uma grande época para o retrato. O do shogun Yoritomo-no-Minamoto, realizado por Fujiwara Takanobu (1142 – 1205, Kyoto, Jingo-Ji) resulta surpreendente por seu ascetismo formal sua feliz mistura de qualidades decorativas e realistas. No resto, prosseguiram, nesta época, as pinturas de emakimonos ilustrando obras literárias ou fatos históricos; como um sinal a mais da dureza dos tempos, as duas obras fundamentais tem como centro acontecimentos bélicos: o Heiji Monogatari ou Narrações da EraHeiji, com as célebres cenas do tumultuado incêndio do palácio de Sanjo (século XIII, atribuído a Sumiyoshi Keion, Boston, Museum of Fine Arts) e o rolo com a descrição do ataque dos mongóis contra o Japão, também do século XIII e conservado na coleção da Casa Imperial do Japão. Do mesmo modo, os rolos ilustrando a vida de heróis ou de monges famosos alcançaram na época um grande predicamento.
O período de Kamakura viu acrescentar sua importância cultural devido a que, à margem de suas realizações, devemos registrar dois fatos de uma singular transcendência: o reinicio das relações com a China durante o século XII e, em parte como conseqüência, a introdução pelo monge Eisai, em 1191, da seita Ch’na, conhecida no Japão como zen. No campo pictórico, a revitalização dos laços com a China produziu um crescimento paulatino da influencia da pintura Sung sobre a japonesa (no início desta época, ainda são encontrados pintores que, como Fujiwara Nobuzane, continuavam utilizando os esquemas de pintura T’ang). Quanto à introdução das doutrinas zen, que conquistaram rapidamente a casta de guerreiros que regia o país por caráter acético e individualista, seria um dos grandes acontecimentos da história do Japão. O zen impregnou rapidamente o modo de vida e a estética do país influindo fortemente sobre a literatura, pintura, jardinagem e inclusive o comportamento vital.
Ao período de Kamakura se seguiu o de Muromachi (1338 – 1573), inaugurado por Ashikaga Takauji, um novo senhor da guerra que adotou o título de shogun em 1338 e, governando desde sua residência do bairro de Muromachi em Kyoto, abriu uma nova época que, embora com dificuldades contínuas, durou dois séculos. Justamente até o momento em que, no final do século XVI, outra casa de guerreiros ditadores – Nobunaga, Hideyoshi e Ieyasu – tomaram o poder (época de Momoyama, 1573 – 1603) e o ultimo deles transferiu o governo a Edo (a atual Tóquio) inaugurando o shogunado dos Tokugawa e o período Edo.
Durante o período Muromachi, a influência chinesa (esta vez liderada pelos monges zen que introduziram o gosto pela pintura Sung do Sul – Ma Yüan e Hsia Kuei fundamentalmente – e obviamente, a do paisagismo dos monges Ch’na da China) voltou a ser determinante.
A escola Tosa, surgida do yamato-e, seguiu tendo seu grande predicamento na corte através de pintores como Takane Takashina (século XIV) e Tosa Mitsunobu (1434 – 1525) e o retrato conheceu uma renovação, tornando-se freqüentes as figuras de meio corpo, mas o aspecto que marca a época é o cultivo da pintura monocroma à aguada seguindo os modelos chineses. Seus praticantes foram principalmente monges zen que procuravam com suas obras expressarem a libertação espiritual que produz a comunhão com a natureza: Josetsu (final do século XIV), Sesshu (1420 – 1506). Este ultimo, o mais importante deles e que deixou detrás de si uma ampla lista de discípulos e seguidores que alcança o século XVIII (Sesson, 1504 – 1589; Soami, 1459 – 1529; Hakuin, 1685 – 1786) foi discípulo de Shubun e viajou pela China entre 1467/69. admirador de Hsia Kuei, suas paisagens, de um grande virtuosismo técnico e variedade de estilos, estão penetrados de simbolismo e, como os dos pintores Sung, unem, em uma visão compreensiva da unidade do universo, as montanhas, as rochas, os vales, as águas e as árvores.
Junto a essa pintura zen, a outra grande vertente da produção pictórica da época é a da escola dos Kano, fundada por Kano Massanobu e prosseguida no século XVI por seu filho Kano Motonobu (1476 – 1559) e outros membros da família como Kano Eitoku (1543 – 1590). Seu campo de ação foi a decoração de palácios e salas de conventos com biombos de vários painéis e portas corrediças ou painéis murais. Aceitaram as sugestões chinesas (Masanobu foi além disso discípulo de Shubun) realizando belas paisagens impregnadas de poesias como A Aldeia na Montanha Envolvida na Névoa, de Eitoku, de clara ascendência Ch’na, mas depois procuraram, levados pelas necessidades decorativas e por um certo gosto pelo luxo, conciliá-las com a riqueza da cor e a nitidez dos contornos da escola de Tosa. Para suas composições decorativas, nas quais usam fundos de ouro e prata, escolheram como tema as quatro estações do ano (um dos temas favoritos da pintura japonesa), os pássaros, as flores ou as cenas históricas e as representações de grandes homens. Durante o período Momoyama e o século XVII, a escola Kano alcançou um status quase oficial no campo da pintura decorativa, sendo seus membros (Sanraku, Sadanobu, Tanyu, Naonobu, Yasunabu...) protegidos pelos Togukawa embora a escola fosse entrando numa decadência progressiva. Diante deles, pintores como Kaihoku Yusho (1533 – 1615), que decoravam seus biombos com grandes peônias e Hasegawa Tohaku (1539 – 1619), que utilizava geralmente a aguada para os seus, permaneceram mais fieis aos modelos chineses, enquanto que outros pintores, como Koetsu e principalmente Tawaraya Sotatsu (1643), cultivaram uma pintura refinada onde novamente voltaram a aparecer os temas literários do período Heiam. Koetsu e Sotatsu realizaram suas obras a meados do século XVII. Com os irmãos Ogata Korin (1658 – 1716) e Ogata Kenzan (1662 – 1743), encontramos já os últimos grandes representantes desta escola de decoradores. Os biombos de Korin, com temas florais e utilizando o ouro, verde e azul, se encontram entre as obras mais refinadas da pintura japonesa.
Ao longo do século XVII e principalmente no século XVIII, a pintura japonesa apresenta um aspecto bastante variado e sobre ela começou a pesar de maneira decisiva a decadência econômica da aristocracia e o ascenso social da burguesia, que imporia seus gostos mais realistas e mais apegados à realidade cotidiana. No século XVIII, ainda podemos registrar uma nova penetração chinesa através da escola de Eruditos da China dos Ming, que tanto ao baixo custo do produto (o que foi possível graças ao desenvolvimento das técnicas da estampa) como ao cultivo dos temas preferidos da burguesia: o mundo do kabuki ou teatro popular, com retratos de seus autores, a vida no bairro de Yoshiwara, onde se concentravam as gueixas, as cenas amorosas mais ou menos impregnadas de erotismo, o mundo íntimo, caseiro, das mulheres e as cenas da vida cotidiana, a paisagem familiar... Podemos encontrar precedentes desta temática em algum dos últimos representantes da escola de Tosa e nas decorações dos Kano, mas seu desenvolvimento não ocorre até o século XVII graças as mudanças sociológicas antes aludidas. Por outra parte, embora esses temas também fossem utilizados em pinturas, o auge do ukiyo-e – e suas maiores expressões – aparecem ligados ao desenvolvimento da estampa. A gravura em madeira foi introduzida procedente da China no século XVI, ao ser utilizada primeiro para a ilustração de temas budistas e depois em obras literárias de caráter profano. Só a meados do século XVIII, os pintores se precaveram de suas possibilidades estéticas e comerciais.
Realizadas, no inicio, em branco e negro sem sombreados nem graduações de tom (sumizuri-e), foram coloridas à mão e, pouco a pouco, pintores, gravadores e impressores (pois não devemos esquecer que a estampa japonesa é sempre uma obra em equipe) foram descobrindo novas possibilidades técnicas e de enriquecimento visual como o estampado em relevo (cinzelando o papel), os fundos dourados ou o laqueado. Com o tempo, também foram utilizadas pranchas diferentes para cada cor a fim de obter impressões policromas: no começo, só de duas ou três cores (geralmente rosa, verde e amarelo); depois, verdadeiras estampas policromas para as quais eram usadas mais de uma dezena de pranchas. As “estampas de brocado” ou nishiki-e, introduzidas por Suzuki Harunobu em 1764, foram célebres.
O primeiro pintor ukiyo-e que explorou de uma forma sistemática e coerente a arte da gravura foi HiskikawaMoronobu (1615 – 1694). Suas estampas, em branco e negro, com traços algo grossos para o que depois seria habitual e algumas vezes levemente coloridas à mão, mostram já boa parte do universo temático que imediatamente se tornaria habitual: mulheres entretidas em suas ocupações cotidianas, interiores com gueixas do bairro de Yoshiwara, cenas eróticas... Okumura Masanobu (1686 – 1764), que dedicou grande parte de sua atividade à ilustração de obras poéticas e literárias – pois era ao mesmo tempo poeta e impressor – e utilizou a técnica do beny-e (gravuras em rosa e verde), também realizou junto a alguma paisagem e cenas de rua gravadas que tinham como centro a vida da mulher. Veríamos imediatamente se assomar, com a família dos Torii, outro dos grandes filões da estampa japonesa: o mundo do kabuki. Os Torii (Kiyonobu I, Kiyornasu, Kiyomitsu...) embora em ocasiões, como foi feito por Kiyomitsu, representassem também cortesãs, aparecem especializados no mundo do teatro popular, realizando cartazes, programas, e sobretudo retratos dos atores mais famosos como Ichikawa Danjuro ou Matsumoto Shigemati caracterizados para os papeis que habitualmente representavam e em alguma atitude especialmente característica.
Suzuki Harunobu (1725 – 1770) merece um lugar de destaque no desenvolvimento da estampa japonesa. Por uma parte, culmina com ele a evolução técnica iniciada um século antes: ao introduzir a técnica do brocado abriu o caminho para um maior enriquecimento – um maior preciosismo – da estampa e para infinitas possibilidades expressivas que seriam depois conscienciosamente exploradas pelos grandes artistas do final do século XVIII e a primeira metade do século XIX. Por outro lado, suas estampas – de novo as distrações cotidianas das mulheres, as gravuras eróticas e os retratos femininos – alcançam um grau de poesia e delicadeza inéditas até essa altura. Seu tipo de mulher, frágil e esbelto, foi definido como “garota mariposa” e em suas gravuras assomam todo o refinamento e a diversidade de matizes expressivos de que o Oriente é capaz.
Com Katsukawa Sunsho (1726 – 1792), voltamos a encontrar novamente o mundo do teatro. Afeiçoado do mesmo modo às representações de lutadores de sumo sua celebridade se deve às cenas de atores (captadas inclusive nos momentos de descanso ou de preparação) e aos retratos destes atores em suas personificações preferidas. Sunsho, que trouxe um novo sentido do vigor e do realismo a este tipo de representações, teve discípulos notáveis, mas nenhum conseguiu se igualar a Toshushai Sharaku, um artista surpreendente e enigmático que aparece dedicado ao retrato de atores do kabuki em 1794/95 e sobre o qual quase não conhecemos nada. Ao parecer, Sharaku foi um ator de drama clássico (no) e os seus cento e trinta retratos foram realizados em menos de um ano, desconhecendo-se sua atividade posterior e onde realizou sua aprendizagem. Com ele, o retrato de atores se torna implacável e bordeia a caricaturização, o que poderia explicar o pouco sucesso que obteve num mundo, como o do teatro, mais habituado a adulação do que à sátira.
Restam ainda por considerar quatro grandes artistas cuja obra penetra já no século XIX e que, em boa medida, determinaram a visão ocidental sobre a estampa japonesa exercendo ao mesmo tempo uma forte influência sobre os pintores europeus de vanguarda no último terço desse século. O primeiro deles, Torii Kiyonaga (1752 – 1815) foi discípulo de Torii Kiyomitsu adotando o sobrenome desta família de pintores. Suas cenas femininas seguem com o encanto e a delicadeza de Harunobu, mas com ele aflora um novo tipo de mulher, estilizado e monumental.
Kitagawa Utamaro (1753 – 1806), que se mostrou em seu início, próximo a Kiyonaga, é o ultimo, e talvez o mais expressivo dos grandes pintores japoneses da mulher.
Artista virtuoso que ao mesmo tempo em que joga com traços de grossura diferente com fins expressivos (Mulher com Kintoki nas Costas, da série Yawauba) emprega contornos finíssimos e inclusive chega a renunciar ao traço, tem um sentido delicado da cor e possui um conhecimento profundo da alma feminina.
Katsushita Hokusai (1760 – 1849), “o velho louco do desenho”, é considerado por muitos como o maior mestre japonês da gravura. Desenvolveu uma atividade prodigiosa mudando varias vezes o nome ao longo de sua vida boêmia. Discípulo de Sunsho, começou dedicando-se aos temas do teatro, realizando depois figuras femininas e cenas eróticas. Posteriormente ilustraria – e inclusive escreveria novelas, até que finalmente encontra seu caminho mais próprio: a expressão da vida japonesa em toda a sua amplitude nos treze volumes de croquis da Mangwa (publicada depois de sua morte) e a interpretação da paisagem japonesa e da natureza com suas vistas do monte Fuji (As Trinta e Seis Vistas do Fuji, 1823; As Cem Vistas do Fuji, 1835), e sua série das cascatas do Japão e das grandes flores. As vistas do Fuji (entre as quais A Onda é particularmente célebre) mostram uma visão poética a animada da natureza. Com Hokusai, a paisagem se converte em símbolo e sentimento, algo que voltaremos a encontrar, animado também por um grande espírito de pureza formal, no último dos grandes mestres japoneses: Ichiryusai Hiroshige (1797 – 1858).
Pintor também de flores e pássaros, Hiroshige é celebre por sua série de paisagens: As Cinqüenta e Tres Etapas do Tokaido (rota de Kyoto a Tóquio), As Oito Vistas de Omi, Vistas de Kyoto...