Surgem os Nabis
Na década de 1890, reuniam-se na Academie Julian, em Paris, vários artistas franceses inspirados pela obra de Gauguin. Sérusier que em 1888 conhecera Gauguin em Pont-Aven, encorajou os outros artistas, entre eles Denis e Vuillard, a formarem o grupo que ficaria conhecido como “os nabis (palavra de origem hebraica que significa os profetas)”. A simplificação de formas em padrões amplos e a pureza cromática empregadas por Gauguin receberam o nome “sintetismo” e tiveram grande influência sobre o grupo. Os nabis criaram cartazes, vitrais, cenografias e ilustrações para livros.
Dois pintores franceses colocam-se de permeio entre os pós-impressionistas e os modernos:
Pierre Bonnand e Édouard Vuillard. Difíceis de enquadrar em termos artísticos, são considerados “intimistas” e líderes do grupo conhecido como “os nabis”. Ambos os artistas viveram até quase metade do século XX, mas, com o amor às amenidades da vida doméstica que tanto caracterizava os nabis, nenhum dos dois parece realmente pertencer ao mundo da arte moderna.
Em 1892, inspirados pela pintura O talismã, de Sérusier, Bonnard e Vuillard constituíram os nabis. O aspecto decorativo era a tônica de sua arte; outro nabi, Maurice Denis escreveu: “Uma pintura, antes de ser um corcel, um nu ou alguma historieta, é essencialmente uma superfície coberta de cores que foram dispostas em certa ordem”. Desiludidos com Paris e com o impressionismo, os nabis admiravam Gauguin e a arte japonesa e adotaram muitos aspectos do misticismo oriental, procurando expressar em suas obras o mundo espiritual.
O nabi japonês
Pierre Bonnard (1867 – 1947) foi o que sofreu mais profunda influência oriental, sendo conhecido pelos amigos como o “nabi japonês”. A concisão gráfica das xilogravuras nipônicas, com sua adorável pureza de traço e de cor, era o que o atraia tão fortemente.
À medida que a arte de Bonnard foi amadurecendo, as cores que usava ficaram mais vivas e carregadas, de modo que revelavam todo o significado de uma tela.
A carta tem simplicidade japonesa, com a moça tão absorta na escrita e essa inclinação de cabeça a denotar a intensidade de sua concentração. Trata-se, porém, de uma inclinação maravilhosamente feminina, nos cabelos castanhos reluzentes, na presilha, no narizinho bem-feito, arrebitado e coquete, nas curvas expressivas da boca. Bonnard está menos interessado na personalidade dessa mulher que em seu fascínio – uma característica bastante japonesa.
Para deleite seu, ele parece tê-la “emparedado” com a linda orla do encosto carmim, a parede atraentemente matizada e, no lado aberto e livre, a caixa e o envelope, que possuem nuances encantadoras. O verde da caixa é a cor mais clara da pintura, dirigindo nosso olhar para cima, rumo aos azuis carregados e vivos do vestido simples e à cabeça voltada para baixo. Bonnard não faz nenhuma declaração grandiloquente sobre a vida em geral ou sobre essa criatura em particular. Em vez disso, olha para ela com o prazer mais sutil e descomplicado possível.
Bonnard, assim como os artistas japoneses, estava interessado no cotidiano, em paralisar e registrar na pintura a intimidade de uma cena pessoal. Tal como A carta, muitas de suas telas mostram o mesmo modelo, Marthe, uma mulher lamentavelmente neurótica com quem ele acabou por casar-se e que o fez distanciar-se de todos os amigos, mas que, ainda assim, parece ter-lhe proporcionado um inesgotável atrativo visual.
Por sorte, Marthe sempre adorou ser retratada, em especial no banho, e muitas das melhores pinturas de Bonnard a mostram submersa na água.
Em O banho, há um brilho quase extasiado nas tonalidades sensuais do corpo e da água. Com demasiada freqüência, pensou-se que a arte de Bonnard fosse apenas um último luzir do impressionismo, já agonizante.
Bonnard, no entanto, vai mais além, com ousadia e vigor. Ao contrário dos impressionistas, não se interessa pelas nuances atmosféricas da luz, e sim pelo ritmo, forma, textura, cor e infinitas possibilidades decorativas do mundo visual.
A influência de Cézanne
Todos os nabis admiravam Cézanne, que sem dúvida foi a influência dominante em todos os pintores de começos do século XX. O quadro Homenagem a Cézanne, de Maurice Denis, mostra Bonnard e Vuillard bem visíveis entre diversos artistas que se reúnem ao redor de uma pintura do mestre. Bonnard, quando pinta uma paisagem, revela-nos não apenas o que conseguimos ver, mas também a emoção que a cena transmite; ele mergulha na alteridade, na sensação.
Escada no jardim do artista foi executada quase no final da vida e é uma imagem extraordinária, assim como todas as variações que Bonnard produziu sobre o tema do jardim.
Os degraus sobem a partir do centro e vão desaparecendo à medida que somos arrebatados pelo esplendor da floração. Cores exuberantes aglomeram-se à esquerda; enormes nascentes de verde primaveril irrompem à direita. Mais à frente, arbustos refulgem ao sol, com um vermelho incandescente e um dourado profundo; acima, há mais flores, possibilitando que os intensos azuis do céu funcionem como pano de fundo. É um cenário teatral, e o palco foi montado não para uma peça, mas para a vida. Bonnard quer que despertemos para o milagre de estarmos vivos. Somos emancipados de nossas limitações factuais para essa radiante liberdade. Levando além a majestade cromática de Cézanne, ele torna etéreo o peso que Cézanne julgava essencial, e é um artista grande o suficiente para fazer isso com êxito.
A arte intimista de Vuillard
Édouard Vuillard (1868 – 1940) talvez pareça despretensioso se comparado a seu amigo Bonnard. Sua arte é certamente mais delicada, e ele está menos interessado em arrebatamentos colorísticos que nas sutilezas silenciosas das texturas e dos tecidos estampados.
A mãe, com a qual viveu de bom grado durante grande parte de sua vida, era modista, e ele passou bastante tempo entre mulheres que, compenetradas mas falantes, trabalhavam em salas pequenas. O encanto alegre e espontâneo de sua arte nunca enjoa, nunca fica óbvio e sempre se mantem carinhoso e vivaz. As obras de Vuillard são na maioria, muito pequenas, como humildemente convém a seus temas.
Vuillard esteve exposto a vida inteira a mateirais de costura, graças ao ofício da mãe e aos desenhos têxteis do tio, e isso, por certo, influenciou sua formação artística. A leitora pertence a uma série de painéis que ele pintou para a biblioteca de um amigo, motivo pelo qual a obra é atipicamente grande. Vemos como ornamentação de uma sala, seus papeis de parede, tapetes e estofados, pode quase abafar a presença humana.
Ficamos perto de tremer pela leitora, tão corajosamente absorta no livro em meio a essa selva doméstica, e talvez as mulheres que a observam da porta também tremam.
Vuillard no entanto, só consegue pintar por amor, e a ameaça de tantos padrões gritantes é difusa, controlada pelo caloroso encanto da cor.
Interiores em escala reduzida
Em comparação, Vaso de flores sobre a lareira é uma obra delicadamente modesta. Não vemos todo o consolo da lareira, só parte dele; também não vemos por inteiro a poltrona, apenas uma seção da curva de seu encosto, com a padronagem do estofado.
Vuillard detem-se antes de pintar o fogo, embora as rosas no vaso façam concluir que a temporada dispensa lareiras acesas. Por outro lado, também não é temporada de vazios: o espelho reflete uma sala pequena, mobiliada e pouco iluminada, e a genialidade de Vuillard está em manter-nos atentos enquanto tentamos interpretar o que apenas entrevemos. A única área de claridade inequívoca é o próprio vaso de flores, onde a rosa maior está rodeada por suas companheiras enfeixadas. Trata-se de uma pintura em que nada parece acontecer, mas que, apesar disso, mostra-se perpetuamente fascinante. De maneira irresistível, somos atraídos para a abrangente calidez do amor que Vuillard tinha ao prosaico.
Walter Sickert
O inglês Walter Sickert (1860 – 1942) não era um dos nabis, mas foi influenciado pelo grupo, em especial por Bonnard e Vuillard, e constituiu-se num elo importante entre a arte inglesa e a francesa no final do século XIX.
Embora fosse aluno e assistente de Whistler na década de 1880 e trabalhasse com Degas em Paris em 1883, as pinturas de Sickert também exibem um intimismo comparável ao dos nabis e um mesmo interesse por composições incomuns.
Algumas das obras de Walter Sickert são o equivalente inglês vitoriano das tranqüilas imagens da cultura burguesa francesa que encontramos nos nabis. Mas Walter Sickert também pintou imagens sombrias e, por vezes, sinistras do submundo. La Hollandaise não exige nenhum conhecimento de história da arte para que saibamos o oficio dessa mulher.
Uma coitada sem nenhuma idealização, ela ainda assim tem o atrativo das prostitutas. Walter Sickert a pinta com uma economia que é quase cruel, apagando os traços faciais para expor o corpo nu e raspando a tinta sobre a pele. Fica evidente que o artista está tão interessado no que ela é quanto na aparência que ela tem – e Walter Sickert comunica brilhantemente ambas as coisas.