abaporu 1 33e65O “Abaporu” foi aberto no Museu de Arte do Rio, ontem à noite: obra estará na cidade até fim das Olimpíadas - Ana Branco / Agência O Globo

RIO - Cerca de 20 pessoas se reuniram na quinta-feira à noite em torno de uma caixa de madeira lacrada no segundo andar do Museu de Arte do Rio (MAR). Espalhadas pelo salão estavam obras da exposição “A cor do Brasil”, que será aberta em 2 de agosto, para celebrar o início dos Jogos Olímpicos. Mas a estrela da mostra estava justamente dentro daquela caixa. Dois funcionários retiraram 16 parafusos e abriram a tampa do revestimento externo. Depois, mais 16 parafusos foram removidos de um invólucro menor para revelar um quadro envolto em papel glassine. A peça foi então levada para uma mesa, para o papel ser retirado. Foi o primeiro instante em que o “Abaporu” encontrou o MAR.

O “Abaporu” é uma tela fundamental da arte brasileira. Em 85 centímetros de altura e 73 de largura, a modernista Tarsila do Amaral pintou em 1928 uma figura desproporcional, com pés gigantes e cabeça mínima, à frente de um cenário ensolarado com um cacto no canto direito. O verde, amarelo e azul do fundo são, não por acaso, as cores da bandeira do Brasil.

A obra, porém, não pertence ao Brasil desde 1995, quando o milionário argentino Eduardo Costantini a comprou do colecionador brasileiro Raul Forbes, num leilão em Nova York. De 2001 para cá, ele é o principal destaque do Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires (Malba), de propriedade de Costantini. Desde então, esta é apenas a quinta vez que deixa a Argentina.

— O “Abaporu” representa toda a idiossincrasia do Brasil. E, neste momento por que passa o país, de discussão sobre sua identidade, é importante que a obra esteja aí — afirma Victoria Giraudo, coordenadora-executiva de curadoria do Malba.

O quadro foi emprestado por um curto período de tempo pelo Malba ao MAR, para uma mostra focada nas transformações das cores na arte brasileira. Pelo aumento de movimento na cidade pelas Olimpíadas, são esperados 20 mil visitantes por semana no museu. O programa fica em cartaz até janeiro de 2017, mas os argentinos só liberaram o “Abaporu” até 21 de agosto, dia de encerramento dos jogos. Depois volta imediatamente a Buenos Aires.

Empréstimos não são incomuns no mundo das artes, mas obras dessa relevância exigem uma logística grande para atender as demandas do proprietário. Antes de viajar, um laudo foi realizado no “Abaporu” por um perito para atestar cada detalhe da conservação da tela e da moldura. Os dados foram utilizados ontem no MAR para comparar a obra que deixou o Malba com a que chegou ao Rio. Se houvesse qualquer alteração, os responsáveis deveriam ser informados.

Seu condicionamento foi feito numa caixa dupla, com camadas de espuma e plástico. Uma profissional argentina, chamada de courier, foi escalada para acompanhar a obra num voo da companhia aérea Emirates até o Rio. Três funcionários do MAR esperavam no Galeão, e, seguida por uma escolta armada, ela foi levada ao Centro dentro de um caminhão.

O “Abaporu” chegou ao museu carioca, enfim, na madrugada de 27 de julho. Sua caixa permaneceu um dia inteiro na reserva técnica para que se aclimatasse, antes da abertura, ontem à noite. Todo o procedimento foi coberto por um seguro cujos valores não podem ser revelados por contrato. Mas, segundo Jones Bergamin, diretor-presidente da Bolsa de Arte do Rio, estima-se no mercado que o preço base da obra não seja menor do que US$ 40 milhões. Desse valor, cerca de 0,2% são pagos pela instituição que recebe o empréstimo, numa categoria de seguro chamada de “prego a prego”.

— Para o cálculo do seguro, avalia-se desde o transporte até a iluminação no local de exposição — explica Túlio Carvalho, superintendente executivo de Riscos Massificados e Especiais do Grupo Segurador Banco do Brasil e Mapre, responsável pelo seguro do “Abaporu” no MAR.

Para se ter uma ideia da preocupação com segurança, a obra de Tarsila estará atrás de um vidro à prova de balas no MAR — uma exigência argentina, para que ela tenha o mesmo tratamento que recebe no Malba.

— Acho que, no Louvre, só a “Monalisa” é protegida assim — afirma Paulo Herkenhoff, curador de “A cor do Brasil” ao lado de Marcelo Campos. — Eu tive que ir a Buenos Aires explicar a importância de “Abaporu” estar aqui. Ele é uma estrela no Malba, e o museu só libera quando entende que realmente faz sentido a obra sair.