Caminhando ao redor do lago do parque Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, um casal avistou no horizonte uma cena incomum no sábado passado. Camisetas, toalhas, saias e calças balançavam conforme o vento em um varal esticado entre dois eucaliptos sobre o córrego do Sapateiro. A enfermeira Cristina Cavalcanti, 27, disse ao marido: "Os mendigos colocaram as roupas para secar. Será que a segurança não viu?".

 

Ao se aproximarem, notaram algo "fora da realidade". O varal, que está a dez metros do chão e tem 60 metros de comprimento, é uma obra de arte.

 

"É diferente, uma coisa para chamar a atenção, mas não acho que seja arte", opina o militar Valter Rufino, 27, marido de Cristina.

 

De autoria do pernambucano Lourival Batista, "Varal" é uma intervenção urbana e integra a exposição "Paradoxos Brasil", em cartaz no Itaú Cultural (av. Paulista, 149, SP, tel. 0/xx/11/2168-1776). A mostra tem como objetivo apresentar a produção recente das artes visuais no país.

 

"A questão da cidade é um traço forte na produção contemporânea. É uma questão preeminente, uma condição que está se depurando", diz a curadora Cristiana Tejo, integrante da comissão que selecionou Batista. Cristiana lembra ainda que "a barreira física das galerias e das instituições não existe mais, e os artistas passaram a se apropriar de outros espaços".

 

No começo da tarde de anteontem, sentados próximos ao varal, dois alunos do curso de artes plásticas da Faap desenhavam a paisagem com lápis de cor e giz. Entre um traço e outro, eram interrompidos por curiosos. "Acho que as pessoas se sentem longe da arte, precisam saber nossa opinião [de artista], mas qualquer um sabe dizer se gosta ou não. Todo o mundo tem um olhar", teorizou Henrique César de Oliveira, 18. "Para mim, o varal causa um estranhamento e é por isso que gosto dele. Acho lindo."

 

Inspiração

 

"Morava em Olinda e passava diante dos varais que os moradores da comunidade de Santo Amaro, uma favela que margeia a avenida Agamenon Magalhães, em Recife, armavam entre as árvores. Era uma coisa funcional e também uma intervenção urbana", conta Lourival Batista, 30, ex-estudante de engenharia química, filosofia, direito e arqueologia.

 

A partir dessa observação, ele começou a pensar em filmar ou fotografar a "intervenção" já existente, até que decidiu esticar seu primeiro varal em Recife em 2003. Com 230 metros, ele cruzava o rio Capibaribe. Depois, Batista repetiu o trabalho em Olinda, no Paço Imperial, no Rio, e na ilha francesa Porquerolles, no ano passado.

 

"A idéia inicial é que vai ficar feio. Nos condomínios, por exemplo, não costumam deixar que se façam varais fora porque aparenta um certo desleixo. Para mim, um varal expõe a intimidade e provoca beleza, mas as pessoas não vêem assim."

 

TEREZA NOVAES

da Folha de S.Paulo