No norte da Europa, a celebração fauvista da cor foi levada a novas profundidades emocionais e psicológicas. A partir de 1905, o expressionismo desenvolveu-se quase simultaneamente em países diversos. O alemão, em especial, caracterizado por cores intensas e simbólicas e imagens exageradas, tendia a abordar os aspectos mais sombrios e sinistros da alma humana.

 Embora o expressionismo tenha adquirido caráter nitidamente alemão, o francês Georges Rouault (1871 – 1958) foi quem uniu os efeitos decorativos do fauvismo à cor simbólica do expressionismo germânico. Rouault foi colega de Matisse na academia de Moreau e expôs com os fauvistas, mas sua paleta e sua temática profunda o colocam como um dos primeiros expressionistas, ainda que isolado. A obra de Rouault tem sido descrita como “o fauvismo de óculos escuros”.

 Rouault era muitíssimo devoto, e alguns o consideram o maior artista religioso do século XX. Começou como aprendiz de vitralista, e o amor a contornos severos que contenham cores radiantes dão vigor e enternecimento a suas pinturas de prostitutas e palhaços. Ele não julga essas desventuradas figuras, mas a extrema piedade com que as mostra causa poderosa impressão; assim, Prostituta no espelho é um libelo feroz contra a crueldade humana.

A mulher é uma caricatura de feminilidade, embora a pobreza ainda a leve a ataviar-se miseravelmente diante do espelho, na esperança de encontrar trabalho. O quadro, porém, não deprime; antes, oferece a esperança da redenção. Para Rouault, essa obra é, se não exatamente religiosa, pelo menos profundamente moral. Trata-se de uma triste versão feminina dos Cristos torturados que ele pintou, uma figura desacreditada, menosprezada e escarnecida.

 A ponte para o futuro

 A Brücke (Ponte) foi o primeiro de dois movimentos expressionistas que surgiram na Alemanha durante as primeiras décadas do século XX. O grupo formou-se em Dresden em 1905, e seus membros encontravam inspiração na obra de Van Gogh e Gauguin e na arte primitiva. Munch também era forte influência, tendo exposto em Berlim a partir de 1892. Ernst Ludwig Kirchner (1880 – 1938), o espírito condutor da Brücke, queria que a arte alemã fosse uma ponte para o futuro. Insistia para que o grupo, no qual se incluíam Erich Heckel (1883 – 1970) e Karl Schmidt-Rottluff (1884 – 1976), “expressasse convicções intimas [...] de modo sincero e espontâneo”.

 Os fauvistas, mesmo em seus momentos mais desenfreados, conservavam um sentido de harmonia e projeto, mas a Brücke abandonou tal freio. Seus integrantes usavam imagens da cidade moderna para comunicar com figuras e tons distorcidos a idéia de um mundo hostil e alienante.

 É o que Kirchner faz em Cena de rua berlinense, onde as cores estridentes e a histeria cortante de sua visão lampejam inquietantemente.

Muitas vezes, a arte de Kirchner transmite poderosa sensação de violência, uma violência contida com dificuldade. Emil Nolde (Emil Hansen, 1867 – 1956), que durante breve período esteve ligado à Brücke, era mais intensamente expressionista e, durante grande parte de sua carreira, trabalhou em isolamento. O interesse pela arte primitiva e pela cor sensual levou-o a pintar algumas obras notáveis em que vemos energia dinâmica, ritmos simples e tensão visual. Com dramáticos entrechoques de cores contundentes, era capaz até de iluminar os pântanos da Alemanha onde nascera. Mas Entardecer não é mero drama: a distância, a luz brilha inconstante, transmitindo uma animadora sensação de espaço.

A Brücke desabou quando as convicções íntimas de seus membros começaram a divergir. Mas, trabalhando independentemente, Max Beckmann (1884 – 1950), que poderíamos considerar o maior artista alemão da época, construiu sua própria ponte para ligar a veracidade objetiva dos grandes pintores do passado a suas próprias emoções subjetivas.

 Assim como alguns outros expressionistas, Beckmann serviu na Primeira Guerra Mundial e, em conseqüência, sofreu insuportáveis depressões e alucinações. Pela pura e simples intensidade, sua obra reflete essa tensão: imagens cruéis e brutais são paralisadas em cores uniformes e em formas pesadas e aplainadas que as tornaram quase intemporais. Essa visão inabalável implicava que Beckmann seria odiado pelos nazistas, e ele terminou seus dias nos Estados Unidos, constituindo-se numa força solitária em defesa do bem. No amor aos auto-retratos e na mescla de brandura e desajeitamento com que se imaginava, ele talvez possa ser identificado como um descendente artístico de Dürer: nesse Auto-retrato, ele perscruta não a si mesmo, mas a nós, com uma insistência profética.

O Expressionismo Austríaco

 O expressionista austríaco Egon Schiele (1890 – 1918) morreu com apenas 28 anos, e não há realmente como saber se ele teria evoluído da angústia adolescente cheia de autocomiseração que foi a principal temática de sua obra. Esse Auto-retrato nu, porém, é em si mesmo um tema muitíssimo tocante, um desvelamento patético e, no entanto, enérgico da vulnerabilidade de Schiele. Ele é só pele e osso, sem ainda estar ali como pessoa completa.

Contornou o corpo com uma faixa de branco brilhante, para indicar tanto a sensação de estar aprisionado quanto a consciência de suas próprias limitações; observem como o braço desaparece quase à altura do cotovelo e, ainda assim, também denota crescimento e potencial. É um jovem magricela e infeliz, e o exagero e desordem dos pelos púbicos talvez assinale o centro dessa infelicidade. Essa pode parecer uma visão demasiado individualista, mas Schiele, à sua maneira histérica, está expressando os temores e dúvidas de muita gente jovem. Ele é assombroso, perturbador e estranhamente inocente.

 Oskar Kokoschka (1886 – 1980) foi outro austríaco de enorme força expressionista. Ele disse de sua própria arte: “Era a herança barroca que assumi inconscientemente”. Rejeitava a harmonia, mas insistia na visão, e sua obra aposta tudo nessa intensidade visionária, que destrói convenções mais serenas.

Em 1911, apaixonou-se perdidamente por Alma Mahler, viúva do compositor austríaco Gustav Mahler. Noiva do vento, a seu modo desenfreado e sonhador, comemora com sofisticada percepção psicológica as turbulências e inseguranças emocionais daquele relacionamento: Alma, a “noiva”, dorme complacente enquanto Kokoschka, esfolado e desintegrando-se num espaço interior criado pelas pinceladas retorcidas e pelas faixas sinuosas de cor, agoniza solitário e silencioso.